Olhando assim, de fora, até que eu sou bem comum.

Não costumo chamar a atenção por motivo algum, seja pela forma como me visto ou como me comporto. Não sou o tipo de mulher que é a primeira a ser abordada pelos caras em uma festa. Na verdade estou mais para aquelas a quem eles recorrem depois de já terem levado um toco e estão nas fronteiras do estar bêbado.

Enfim. Duvido que alguém me olhe duas vezes.

Talvez isso tenha facilitado o desenvolvimento de uma mania meio boba, que eu tenho: escrever cartas que nunca serão enviadas.

Escrevo cartas para qualquer pessoa que vejo na rua. Vejo alguém, tenho vontade de lhe dizer algo e escrevo a carta. Como provavelmente nunca verei essa pessoa novamente, nunca entrego.

É bobo, eu sei. Mas já tenho algumas caixas cheias dessas cartas. E criei um certo apego a elas. Por outro lado não consigo perder essa mania e nem quero. É gostoso reler algumas dessas cartas de vez em quando. Dá para perceber o quanto eu mudei com o tempo.

Inclusive, um dos motivos para essas cartas nunca serem entregues tem uma história engraçada. Uma vez eu tentei entregar e não funcionou.

“22 de março de 2010

Caro Sr. Da Calçada da Loja de Roupas,

Tudo bem?

A gente se vê todos os dias, porque eu preciso passar na rua onde você o senhor fica sentado para ir a qualquer lugar. Não é necessariamente a rua da minha casa, mas é ao lado.

Às vezes passo por aí e o senhor acena pra mim, mas não é todo dia sempre. Nessas vezes acho que está bêbado demais para enxergar qualquer coisa.

Um dia minha mãe disse que te viu contando umas histórias engraçadas para uns meninos na rua. Eles estavam no bar aí do lado e começaram a te provocar. Só que aí o senhor começou a contar umas histórias sobre sua infância e adolescência e os bobocas ficaram todos de queixo caído, te ouvindo falar.

Eu já te ofereci dinheiro, comida, suco, bonbom bombom. Mas atenção nunca. Sempre passo correndo pelo seu ponto, atrasada pro trabalho, pro jantar, pra vida.

Então hoje cheguei em casa e resolvi dedicar um pouco de atenção para essa carta, que entregarei ao senhor hoje mesmo.

Cordialmente,

A garota da rua ao lado”

Essa foi a carta.

Eu dobrei com cuidado, coloquei dentro de um envelope bonitinho e troquei o pijama por um vestido qualquer.

Dobrei a esquina e logo avistei o montinho de panos sujos que marcavam seu lugar. Mas ele não estava lá. Estava pedindo um gole de cachaça no bar.

Eu esperei até o dono do bar negar a cachaça e ele sair de lá um pouco contrariado. Fiquei meio constrangida de abordá-lo e quase voltei com a carta para casa. Mas aí pensei que a carta ficaria lá, dentro da caixa e ele deveria se sentir sozinho. Então decidi entregar.

Me aproximei e ele me olhou um tanto ressabiado. Estendi a carta e ele a olhou por um instante. Talvez achou que dinheiro seria mais útil. Fiquei sem graça.

Ele sorriu, coçou a nuca e me devolveu a carta.

_Sei ler não, moça. Desculpa.

Eu fiquei sem ação. Nunca me senti tão mal como naquele dia. Um misto de remorso e culpa por ele não saber ler, junto com medo de tê-lo constrangido. Eu balbuciei um monte de coisas ininteligíveis e foi ele quem me salvou daquela situação ridícula.

_Espera. Me dá esse papelzinho.

Fiquei ali parada, sentindo as orelhas arderem, enquanto ele manipulava minha carta. Nem tinha coragem de olhá-lo.

E então ele estendeu uma flor de origami para mim.

Ainda a tenho guardada nas minhas caixas.