... defeitos difíceis de confessar, especialmente a inveja.

Tempos atrás recebi cumprimentos por ter dito, durante uma apresentação em sala de aula, que tenho inveja. (É bom deixar claro: não fui cumprimentado por ter inveja, mas por ter dito). O tema da discussão era “defeitos que as pessoas não gostam de confessar” – em contraponto aos populares “sou perfeccionista”, ou “acredito demais nas pessoas”. Não queria mostrar esse meu lado horrível, mas era essa a idéia.


Minha inveja já foi muito pior, mais violenta, e me fazia sofrer amargamente. Não a ponto de desejar mal para alguém, torcer para que alguma coisa desse errado. Mas volta e meia me pegava pensando com raiva, com amargor: “Por que não eu?”; “Eu também quero!”

Na faculdade morria de inveja de quem não precisava chegar correndo do trabalho na aula. Quem podia escolher o que fazer: ficar no Centro Acadêmico, dar uma passadinha na biblioteca, comer um lanche, olhar o mural de avisos. Ah, como eu queria... Como me incomodava alguém ter o que eu não podia.

Eu me torturava com as festas perdidas, as viagens não feitas, as turmas que não me incluíam. Parecia que o evento perdido tinha sido o mais divertido de todos os tempos – e, até sem perceber, eu tentava desvalorizar o que não estava ao meu alcance: “Ainda bem que eu não fui, detesto gente bêbada”. Ás vezes tentava outra estratégia. Quando me consumia em um pensamento do tipo “ela vai para a Europa pela terceira vez e eu, como sempre, vou pegar o ônibus para o interior paulista”, tentava transformá-lo em orgulho: “Imagine, ela nunca vai saber o que é ver as estradas viajando de ônibus. Não conhece esse lado da vida”.

Inveja é um sentimento ruim. Não creio que faça mal a quem é objeto dela, como reza a crença popular, aquela coisa da “secada” ou mau-olhado. Faz mal ao sujeito da inveja. Envenena, intoxica, corrói. E, embora ela seja tão incômoda, é dificílimo reconhecer sua presença. Inventaram agora até outro termo: “ai amigo, é inveja branca”. Racismo até no sentimento agora? Outras emoções aflitivas gozam de certo prestígio: raiva, ciúme... Sentimentos que as pessoas dizem “eu tenho sim”. Eles têm defensores, até (“o ciúme é o tempero do amor”). A inveja não, ela é condenada em adesivos: “É uma m*”. “Não me inveje, trabalhe”. Quem quer dizer que tem?

Admitir é um grande passo. Quando reconheci que o “sentimento de injustiça” que me movia era, no fundo, inveja, comecei a brincar com ela. Confessar a dor-de-cotovelo a tornava menos latejante. Até os mestres budistas admitem que sentimentos assim surgem na mente – só que eles conseguem não dar bola para eles. Não usam esse combustível. Será que alguém é completamente livre da inveja?

Saber que tenho inveja não deveria servir como muleta. Bom, se aliviar o sofrimento, tudo bem, mas acho melhor mesmo tentarmos não dar corda pra ela. E entender quando os outros têm inveja da gente. Ah, sim, e cultivar uns antídotos: olhar um cachorro deitado ao sol e pensar “que bom que ele tem esse momento de prazer!” (começar com bicho é mais fácil). Ver uma casa linda e imaginar: “Ual, que legal deve ser morar ali. Olha aquela mulher lendo um livro na varanda, que bom, ela está feliz”. Não é fácil, mas com o tempo, faz efeito.