Se os intérpretes malucos do calendário maia estiverem corretos, estamos a pouco mais de um mês do fim do mundo. Será meu centésimo. Por cem vezes, mandaram me arrepender de não sei o que e me preparar para o pior. Até me aconselharam a vender tudo o que tinha. Estranhei. De duas, uma: quem comprasse minhas coisas ou seria lesado ou escaparia da hecatombe. Preferi pagar para ver. Ainda bem.

Vi, li e ouvi previsões sobre as desgraças futuras em escritos de Nostradamus, na Bíblia, em mensagens de ETs e cometas, em sinais na natureza, na histeria de pregadores. Ao consultar a história, descobri fins do mundo marcados para 35 séculos atrás. 35, 34, 33... 21, 20, 19, 18... 11, 10, 9, 8, 7... 1. Além disso, enfrentei-os em todos os anos de minha vida. Cada um teve seus crédulos. Quando a manhã seguinte raiou, os apocalípticos encararam a vida sob o olhar irônico da maioria que não deu a mínima para o vaticínio. Houve, aliás, um pastor americano que antecipou corretamente o final. Até exagerou, pois o fez quatro vezes seguidas. Falhava uma vez, adiava para o mês seguinte, falhava, adiava e, por fim, acertou. Na cabeça. Um tiro de revólver.

No entanto, o fim do mundo maia pegou pelo pé muitos incautos, até em Minas Gerais. Os mais apavorados não dormem, estocam água e comida, fogem para longe. Centenas de livros abordam o assunto. A maioria apregoa a iminência da tragédia. Nenhum, até agora, constatou que os maias, sábios que eram, não conseguiram prever o fim da própria civilização. Poucos autores informam que seu calendário não termina em 2012, pois hecatombes agitam o imaginário ocidental, ávido por armagedons, juízos finais e apocalipses. Sem falar que os sem-escrúpulos usam o medo como grande manipulador de fiéis. O fim do mundo tornou-se, há milênios, uma grande indústria. Dá grana e poder.A maior arrogância do ser humano é acreditar que o universo foi feito para ele, transformando mito em fato. Muito antes de o primeiro Homo sapiens andar pela Terra, milhões de outras espécies haviam surgido. E também desaparecido, às vezes durante extermínios em massa que nada tiveram de sobrenatural. É mais provável que soframos a extinção por desrespeito a nós mesmos, e a Terra rolará pelo espaço sem se dar conta de que não mais a habitamos.

Assim, já comecei a comprar presentes para o Natal que, em 2012, não mais deveria acontecer e, no entretanto, acontecerá. Sinto, porém, uma pontinha de tristeza: pela centésima vez, enfrentarei a frustração. Perderei toda aque­­la apoteose pirotécnica prometida, com bolas de fogo despencando do céu, labaredas subindo das profundezas, a terra se abrindo, luzes cegantes vindo de todas as direções, vendavais, trovões, trevas, cometas, asteroides, buracos negros, terremotos, maremotos, clarins, trombetas, tambores, cuícas e reco-recos, a fanfarra zoando em decibéis de boate, espetáculo que nenhum Joãosinho Trinta jamais conceberia. Creio até que um evento de tamanha magnitude o Brasil nunca conseguirá produzir, mesmo depois de adquirirmos experiência com a abertura da Copa e da Olimpíada. Sem falar que o show será de graça, sem fila para pegar ingresso, todos com direito a poltrona vip. E mais: nossas leis de incentivo à cultura não comportam tamanho dispêndio.

Desconsolado, constato que, pela centésima vez, não testemunharei o fim do mundo. Com ele, sempre previsto e eternamente adiado, aprendi o limite da condição humana: não devemos sonhar com mais areia do que cabe em nosso humilde caminhãozinho.