Há dois anos, perdi minha avó. Foi uma mulher calada e trabalhadeira. Servia a mesa e ficava em pé, ao lado, sem sentar. Trabalhou a vida inteira atrás de um balcão, junto do meu avô. “Não senta que o freguês não entra” — ele dizia. Acostumou-se a ficar de pé. No fim da vida, foi sentando aqui, sentando ali, cavando seu lugar no sofá, silenciando e murchando como uma plantinha.

A morte gradativa de minha avó me fez pensar muito na vida e em como deveríamos todos poder ir morrendo assim, lentamente, para que pudéssemos ter mais chances de aprender sobre aquilo que insistimos em não aceitar. Percebi um sinal, corri para o Rio e ainda pude ver seu último suspiro. Ver alguém morrer é coisa que não se esquece jamais.

Minha avó morreu em casa, comigo e minha mãe beijando-lhe as mãos, e nos deu a chance de compreender fisicamente o fim. Minha tristeza foi se diluindo nos seus últimos anos de falência e a beleza de seu crepúsculo foi um presente de vida pra mim.

Difícil escrever sobre isso pois parece frio, mórbido, distante. Mas resolvi tocar no assunto pela simplicidade da existência que me foi projetada no peito naqueles dias.

Antes do enterro, precisava ser feita a exumação do corpos do jazigo. Fomos eu e minha mãe –a despeito dos conselhos das tias para que não fôssemos, não era coisa boa de se ver. Mas minha mãe teimou, estavam lá os ossos de seu segundo marido, paixão de sua vida. Confesso que a acompanhei num misto de companhia solidária e curiosidade quase infantil de ver a cena completa, a morte em estado bruto, físico, o pó. Leia mais emwww.folha.com.br