Um barzinho qualquer. Uma conversa qualquer, aquela que melhor convir.

- Droga de vida!

- Por que isso, cara?

- Ah, essa porcaria toda.

- Mas que porcaria?

- Essa estrumação onde vivo.

- Esse papo de novo? Não tem nada de tão ruim em sua vida.

- Ah, não? Quer que eu enumere?

- Cara, acho que você só reclama por reclamar. Tipo, você se acostumou com isso, e parece se sentir seguro com esta situação.

- Eu não me acostumei a reclamar. Mas acho que me acostumei a sofrer.

- Então, enumere.

- Quê?

- Você falou sobre enumerar a porcaria toda. Enumere.

- Ah, essa droga toda.

- Que droga, cara?

- Essa vida, esse fedor.

- Você está sendo evasivo.

- Meus dias, meu passado, meu futuro.

- Ainda evasivo.

- O que quer que eu diga?

- Seja específico.

- Ah, você não quer que eu enumere, quer?

- Quero, sim.

- Ok, ok, animadão. Olhe ao redor. Olhe isso. Olhou?

- Aham.

- Agora, olhe para mim. O que está vendo?

- Hum… Meu melhor amigo. Um cara bacana, engraçado, culto…

- Cale a boca. Você me deprime com esse papo cara.

- Isso se chama elogio sincero.

- Elogio, elogio. As pessoas precisam de elogios para ter coragem de enfrentar o dia seguinte, isso sim. Tipo, um combustível. Esse papo todo, balela.

- O que quer que eu diga?

- Quero que enumere o que há de ruim em mim.

- Não, senhor. Não mude o rumo das coisas. Quem vai enumerar é você.

- Ok, ok… Vamos lá. Tá preparado?

- Claro.

- Não vá chorar.

- Tenho certeza que não.

- Como pode ter tanta certeza?

- Para de enrolar e fale logo.

- Ok, ok. Primeiro: – Ergueu o dedo indicador. – Meu passado. Desde criança… Assim, desde molequinho mesmo. Catarrento e tudo mais. – Parou. Um instante. Uma reflexão. –  Fala a verdade: você me acha mesmo um cara bacana?

- O mais bacana que conheço.

- E esse papo todo de ser engraçado…

- Não é papo. Quem te conhece, sabe disso.

Baixou o dedo indicador. Começou a rir.

- Já te contei sobre o que aprontei naquelas férias com a turma, ano passado.

- Não.

- Não mesmo? Cara, foi show…