Em muitas circunstâncias da vida, desconhecer algo é uma bênção. Não era esse o caso, no entanto. Todos queriam saber o motivo de sua ausência. Coisa absurda até, mas essa curiosidade logo virou exigência. Aí, constrangido e acuado, não teve outra saída senão começar a inventar.Teve um dia em que ele não estava lá, não lembrava por que. Podia ter esquecido, desistido, ignorado... Fato é que não sabia por que se ausentara.

O universo é uma máquina delicada, um instrumento sensível que quebra e desafina por quase nada. Mãos grosseiras, não de textura, mas de intenções, colocam o mundo a rodopiar de cabeça pra baixo, invertem os polos sem tomar conhecimento. Só porque podem. Mas mãos conscientes de sua própria força operam sem maiores percalços. E não era esse o caso, visto que não tinha o hábito de mentir.

– Pois então, onde estava? –

Perguntavam.

– Por aí, você sabe. – Fugia.

– Aí onde?

– Ora, na praça.

– E fazendo o quê?

– Pensando na vida, sei lá.

– Que estranho.

– Estranho nada. Vou pra poder fumar sossegado.

– Desde quando você fuma?

– Ora. Desde que comecei a ir à praça.

E foi assim, quase sem controle, que a história foi sendo escrita, meio como uma obra de criação coletiva inconsciente.

– De noite, na praça? – Dizia um outro.

– Ah, só podia estar vendo a mulherada saindo do encontro na igreja.

– Rapaz, nem sabia desses encontros..-  Respondia

– Ah, cachorrão. Não precisa disfarçar.

– Pois é.

– É. Pois é.

E assim, foi de ausente a frequentador da praça. Paradeiro revelado, esperava que a história acabasse ali e o deixassem em paz. Mas novos detalhes surgiam diariamente.

– Rapaz, lembra da Catarina? – Lhe disse um dia sua prima.

– Não.

– Pois ela sempre te vê na praça, fumando. Disse que você fica superelegante de camisa vermelha.

– Sério?

– Pois é. Seríssimo.

– Hum...

Quando é que deixamos de tentar escrever nossa história e aceitamos o que o destino nos reserva? No caso dele foi quando pôs os olhos em Catarina. Fora escoltado pela prima, que muito sutilmente a identificou no meio do grupo que deixava a igreja. Era linda, de cabelos negros ondulados e uma pele morena que parecia um dia de férias.

Assim foi que no outro dia estava lá, na praça, fumando, com a camisa mais vermelha que tinha no armário, esperando Catarina passar.

– Boa noite, amigo. – Disse um rapaz que se aproximava. – Tem fogo?

Ele acendeu o isqueiro que havia comprado aquela tarde e moveu a chama de encontro ao cigarro do jovem com satisfação.

– Posso sentar aqui com o senhor um pouquinho? – Perguntou o estranho.

– Claro. Fique à vontade.

Diante do exemplo, resolveu também acender um cigarro.

– O senhor vem sempre aqui nessa praça?

– Insistiu o rapaz puxando conversa.

– Pois é. – Disse assoprando a fumaça que não tragara. – É impossível fumar em casa, no trabalho, no restaurante...

– Verdade. – Concordou o outro.

E ficaram alguns segundos em silêncio, apreciando a fumaça se dissipar no ar.

– O senhor sempre veste vermelho? – Perguntou o rapaz de maneira tão despretensiosa que ele nem estranhou.

– É minha cor preferida.

– Coincidência. – Falou o homem sorrindo.

– Também é a cor preferida da minha esposa, a Catarina.

Aí a coisa toda aconteceu rapidamente, embora uma testemunha afirmasse que o jovem tinha sacado a arma do bolso lentamente e a apontara para o homem a seu lado como se estivesse brincando – impressão desmentida pelo estampido e pelo corpo quicando no chão.

– “Porra”, – Pensou estirado no chão, agonizando. – “Eu devia ter ido lá”.