Quem não guarda boas lembranças de pelo menos um professor, que atire a primeira pedra. É isso mesmo. Cada um de nós deve trazer num canto qualquer da memória a figura, a voz, o sorriso, o jeito de olhar, a aula, a letra, o exemplo de – minimamente – um mestre.
O tempo em que se viveu esta experiência pouco importa. Já houve a escola extremamente rigorosa e punitiva, na qual o docente tinha sempre a última palavra e, não poucas vezes, a única palavra. Contudo, mesmo em circunstâncias tão áridas, os sentimentos brotavam, possibilitando laços afetivos invisíveis e não raro inconfessáveis. Mas nem sempre foi assim, pois com o tempo os alunos ganharam importância e a aprendizagem passou a ser o centro dos estudos pedagógicos. Com a mudança de foco, o rigor já não encontrava mais solo fértil. Reflexo direto sobre as relações entre os mestres e seus discípulos.
Os filhos da ditadura resolveram reescrever a história e dar um basta no autoritarismo. Era inadmissível que apenas professores, pais, educadores, enfim, decidissem. Era chegado o momento dos filhos, dos alunos. A sociedade vislumbrava um mundo novo que, não muito depois, se mostrou em nada admirável. Liberdade era o sentimento, a busca, a palavra de ordem.
Em nome dela muitos voos foram alçados, muros transpostos, desafios enfrentados à unha. Demandou tempo. Envolveu gerações. Somou-se a tudo isto o desenvolvimento econômico de muitos países, o crescimento dos ideais capitalistas, de consumo. A indústria pronta para realizar sonhos. A condição financeira concretizando-os.
Mas, e as escolas? Motivação. Tema constante nas reuniões docentes: Como despertar a motivação dos alunos? A escola deverá ser prazerosa. De preferência, pegando leve, partindo do conhecimento prévio do aluno, aberta ao contemporâneo.
É simples compreender. O que é clássico, antigo, distante do cotidiano moderno deve ser posto em segundo plano. Conceitos ultrapassados, palavras em desuso, objetos obsoletos. O novo, atual, moderno é muito mais motivador, pelas próprias características e pela proximidade. Não há como contestar.
Sim. Mas e a escola? Os temas, nas reuniões pedagógicas, passaram também pela educação bancária, construtivismo, inteligência emocional, projeto pedagógico, habilidades, competências. A escola de hoje ainda busca a redefinição de papel, de status.
Como sermos professores motivadores se o grande arcabouço de conhecimento inclui também o antigo, o clássico? Como provarmos por A+B que as coisas adquiridas, na maioria das vezes com dinheiro, não podem ser a única meta de um ser humano? Como convencermos os adolescentes de que os recursos tecnológicos ultrapassam o MSN, as redes sociais? Que o Google é mesmo uma excelente ferramenta e que nos possibilita atividades outras que não apenas a cópia e a colagem? Que dominar a tecnologia vai muito além de tudo isso?
Mesmo diante de tantas mudanças, ainda é possível imaginar que os alunos de hoje levem em suas lembranças da escola a de um professor que foi marcante. A humanidade consegue manter-se em meio ao caos. Os laços afetivos, talvez ainda invisíveis, sobrevivem quais náufragos presos a tábuas de salvação.
A docência tem atraído cada vez menos interessados. O salário não é atrativo. A sociedade não vê mais na figura do mestre aquele que contribui para a formação de seus filhos. Os alunos não se veem no dever de respeitá-la. É vista como despreparada e mal colocada profissionalmente, por não terem dado certo em nenhuma outra profissão.
Como professora, desejo que nossas reuniões não mais se limitem a discutir o que fazer com os celulares que os alunos insistem em levar para as salas de aulas, mesmo havendo uma lei que proíba tal atitude; que as escolas não mais se vejam envolvidas em noticiários policiais, por agressões, desrespeitos, bullying; que nossos educadores não precisem enfrentar situações delicadas pela falta de autoridade dos pais, que esperam que a escola eduque seus filhos, mas que não permitem quando ela tenta.
Sonho com uma escola que defenda a liberdade; que seja contemporânea, moderna; que, sobretudo, resgate seu status de local do saber, que inclui tudo o que foi construído até nossos tempos; status de ambiente de aprendizagem, de crescimento, de partilha. Enfim, sonho que nós, professores, possamos fazer parte do legado da escola e não apenas de estatísticas.
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