Antônio Barreto

– Qualquer dia desses eu chuto o balde! – falou Biba.

– O que o senhor disse, senhor Biba?

– Nada não, chefe. Tava só pensando alto…

– Pois muito bem… Tira doze cópias desse contrato, urgente, urgentíssimo, pra ontem!

– Certo, chefe!

– Depois, anexe-o à septingentésima gaveta do Arquivo 134-AZ. Não admito falhas! Qualquer dúvida me consulte!

– Certo, chefe! É pra já… Mas onde fica mesmo a septin…

– Antes da octingentésima!

– Certo, chefe! Deixa comi…

– E não aceito deslizes, entendeu?

– Sim, patrão.

– Ô Biba, tira uma cópia dessa petição aqui pra mim, falô?

– Biba, duas cópias, urgente…

– Biba, três fotocópias, por favor.

– Biba, Bibinha do meu coração… Faz uma cópia desse contrato aqui pra sua Dona Cida, tá? Vê se dá pra passar na frente dos outros, viu? Entre nós… depois te dou uma beijoquinha, viu?

– Seu Biba, vem cá! Cem cópias desse cronograma, urgente, urgentíssimo!

– Bibinhaááááááááá… passa aqui. Quero vinte xérox desse material. Pra hoje!

– Esse é o Biba! Trinta cópias! Esse é o grande Biba!

– E aí, Biba, tudo jóia? Duzentas cópias! Bem tiradas, e sem borrões…

– Ei, Biba! Tudo bem? Aqui… tira tudo de novo, tá?! Ficou meio apagado, cara… Tá tudo cor de abóbora, que nem esse seu uniforme… Há-há-há! Bota mais tinta nessa máquina!

– Põe mais toner, Biba! Não esquece do A4, falou?

– Queria esse gráfico maiorzinho um pouco, Biba. Dá pra aumentar?

– Ficou muito grande, Biba. Dá pra reduzir?

– Tá faltando a página 8, Biba. Quedê a página 8? Pelamordideus… Biba!

– Não faz isso comigo, Biba! Era pras quatro da tarde e já são quase cinco! O cliente tá esperando, Biba!

– Seguinte, caro Biba: dez cópias do 1 ao 9, oito cópias do 10 ao 13, sete do 14 ao 25 e mais cinco do 26 ao 36. Entendeu ou quer que repita?

– Babebibobiííííííba! Você é uma gracinha! Mais 100 cópias aqui pra Dona Cidinha, tá?

– Senhor Biba, ou o senhor faz tudo direitinho, conforme as instruções, ou pode passar no RH e pedir as suas contas!

Certo dia o Biba, cansado de ser Biba, calmamente analisa a situação. Pensa daqui, pensa dacolá e enfim resolve. Desafivela o cinto, abaixa a parte inferior do seu uniforme cor de abóbora, senta na máquina e aperta o botão start/copy. Depois, de mesa em mesa, de seção em seção da repartição distribui a sua cópia. E chuta o balde. E pega o elevador. E vai embora.

No elevador, lotado de copiar o mundo, pensa em voz alta:

– Tão pensando o quê? Que sou um robodeus?

O ascensorista:

– Robô o quê, seu Biba?

– … Que nasci pra papel carbono, pra disquete, pra CD, pra DVD? Que nasci pra copiar o mundo?

O ascensorista:

– Ô Biba, dá procê copiar essa Oração de São Longuinho pra mim? É uma simpatia, sabe? E não posso quebrar a corrente, entendeu? São só dez, dez copiazinhas só…

E o Biba:

– Deixa pro dia de São Nunca, seu Melo! Porque hoje… quem acaba de quebrar as correntes sou eu!

– Ué, o quê que aconteceu, seu Biba? Endoidou?

– Endoidei, seu Melo! Durante a minha vida inteira, eu nunca tirei uma cópia de mim mesmo!

E o Biba prega a durex, em cada canto do elevador, a imagem de suas redondas, robustas e desbotadas nalgas. Sua liberdade copiografada, pra todo mundo ver.

Ver e apreciar aquela corajosa, una e calipígia liberdade.