O hábito lhe perseguia tal qual um vício: fazia biquinho em todas as fotos. Quase uma sina. Bastava um convite para uma foto, ajeitava a roupa, uma pose cuidadosamente elaborada e… o biquinho se formava na boca disforme, antes do flash espocar seu rosto.

Não sabia tirar fotos de outra forma. Sozinha em frente ao espelho ou em uma festa com amigos – se não fazia bico, a foto ficava crua. Faltava algo: brilho, intensidade, verossimilhança. Preferia que lhe cortassem metade da cabeça pelo péssimo enquadramento, mas o bico não podia faltar. Seu ego não merecia tanto descaso.

As amigas, no começo, zombavam. Diziam ser ridículo, e outros degenerativos. Com o tempo, porém, começaram a sentir uma pontada de inveja. Não demorou muito, e a pontada virou um soco no estômago de pura inveja ferina. A velha história: a amiga sempre sai melhor nas fotos, por mais que o orgulho intempestivo as obrigue a negar.

No final, estava armada a competição. Quando saiam juntas nas fotos, cada uma queria fazer um bico mais imponente. Biquinhos suaves deram lugar a bicos disformes. Os transversos e mentonianos contorcidos e retorcidos em caretas assustadoras. Seriam facilmente aprovadas como figurante em qualquer uma das sequências de Star Wars, mas ainda acreditavam ser os exemplares mais transparentes da sedução feminina.

A competição foi se tornando cada vez mais acirrada. Quem fazia o maior bico, ganhava mais comentários e elogios nas fotos nas redes sociais. A amizade se desvaneceu ante a disputa de quem tinha o bico mais bicudo entre as bicudas.

Certo dia, na balada, na foto com as “amigas”, ela esticou o biquinho o máximo que pode. Os lábios disformes se estenderam centímetros a frente do nariz. O músculo orbicular retesado, o risório deformado, zigomáticos e depressores rasgando-se num esforço descomunal. Enquanto em pose, antes do click, percebeu seu bico anormalmente saltado, e sentiu-se satisfeita por se conscientizar de que nenhuma das amigas jamais conseguiria algo parecido. Ia ganhar todos os elogios ao postar a foto nas redes. Seu bico curtido e compartilhado, o alvo dos holofotes.

Mas, não houve tempo para muita comemoração. Após o instante do flash, para seu desespero, o bico não voltou ao lugar. Travado. Represado. A careta não se desfez. Os músculos tesos, tensidade absurda. E a boca, enfim, condenada ao bico eterno.

Hoje em dia, por onde passa, é alvo de olhares comiserados, acompanhados por declarações como: “pobre menina!”.

Menos as amigas que até hoje, quando se encontram, ainda sentem aquela inegável pontada de inveja.