Nada mais reconfortante do que ouvir a voz de Iris Lettieri (na foto) antes de embarcar no Antonio Carlos Jobim, o Galeão. Aquele aveludado, com tons de grave nada cinza, nos leva aos céus antes mesmo de qualquer partida.
Agora só é possível ouvi-la no internacional do Rio. Já esteve em outros no passado, como em Foz do Iguaçu, Manaus, Congonhas etc.
Na vastidão do Galeão a voz nos pega no colo, sussurra ao miocárdio, mostra que uma fêmea, muitas vezes, sequer precisa de um corpo.
Repito velha tese: mulher é metonímia, parte pelo todo. Basta um narizinho aqui, uma omoplata acolá, e está ganha a vida. Não carece ser bonita por completa. Melhor que não seja.
Voltando a ouvir atentamente La Lettieri, incluo a voz como parte dessa história. Com uma bela voz dentro do seu chatô, pouco importa que corpo tenha. Você só necessita daqueles fonemas noturnos ou matinais. Você vive de sussurros como um passarinho de alpiste.
A carioca dona da voz mais bonita do Brasil -Simone, de Olinda, com quem estudei, talvez seja páreo- foi a primeira mulher a apresentar um telejornal no país, na TV Globo, anos 1970. Depois foi para a TV Manchete, foi modelo, cantora, uma deusa.
Homens do mundo inteiro querem fazer amor com a voz de Iris. O Faith No More, por exemplo, incluiu, sem permissão, a gravação de sua voz na faixa “Crack Hitler”, do disco Angel Dust, de 1992. Deu um rolo danado. Achei uma bela homenagem.
Ao partir agora para o Recife, via Galeão, fechei os olhos, me senti em um quarto escuro, fazia amor com aquela voz. Para fazer amor com uma voz não é preciso o gemido de gozo mais explícito de Brigitte Bardot em “Je t’aime moi non plus”.
Na voz de Iris, basta um Air France, voo 447, Rio/Paris… Basta um Gol, voo 1150, do Rio de Janeiro para o Recife… Nem carece que estejas indo para os braços da(o) amada(o). A viagem de negócios mais chata do mundo se torna um veraneio em Bora-Bora.
É sim possível fazer amor com uma voz. Viajo feliz. Como se nas asas da Panair e do desejo.
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