Estávamos no fim de maio, quando já tinha ficado claro que a polêmica sobre “o livro do MEC”, ou “o livro que ensina português errado”, tinha dividido o país em duas facções igualmente exaltadas e surdas aos argumentos contrários. Sim, é óbvio que se pode questionar legitimamente a validade pedagógica de uma abordagem “linguística” do português diante de alunos carentes de domínio da norma culta – ninguém merece ser chamado de preconceituoso ou desinformado por fazer isso. Por outro lado, como logo se veria, o mundo não estava acabando. Foi em meio a esse clima de Fla x Flu que um certo casal de quase ficantes se desentendeu num bar, tarde da noite, num literal desencontro de línguas. Coisa triste, no fundo.

*

– E aí, gato, nós vai pra sua casa ou pra minha?

– O quê?! Hahaha, ufa, você quase me pegou.

– Como assim, quase te peguei?

– Falando desse jeito aí, “nós vai”. Sabe como é, a gente acaba de se conhecer… Por meio segundo eu pensei que fosse sério.

– E se fosse sério?

– Deixa pra lá, minha linda. Lá em casa tem um prosecco na geladeira esperando a gente.

– Não, vamos com calma que agora é sério mesmo. Você está sendo submetido a um teste, atenção: e se eu fosse o tipo de mulher que fala “nós vai”, “dez real”, “os livro”, isso ia fazer diferença?

– Nossa, mas é lógico, né? Tremenda gata bem vestida, maior pinta de universitária… Aliás, você é universitária?

– Não interessa o que eu sou, estou indo pegar um táxi.

– Ei, espera aí! O que é que eu fiz de errado?

– Ah, nada. Só se revelou um porco chauvinista linguístico, como tantos que existem por aí. Uma pena, tão bonitinho…

– Você só pode estar de brincadeira! Então eu sou obrigado a dormir com uma mulher que fala “nós vai” só pra mostrar que não tenho preconceito?

– Você não é obrigado a nada, querido. Nem eu, ainda bem. Cada um faz o que quiser com a sua língua, e eu lamento que as nossas tenham se encontrado neste bar.

– Mas isso é uma completa maluquice! A gente estava no maior clima bom, não faça uma coisa dessas.

– Boa noite.

– Escuta, espera, me dá uma chance. Você quer que eu peço desculpas?

– “Que eu peça desculpas”, animal! Cadê o subjuntivo?

– Hã?

– Quer ser um elitista preconceituoso, pelo menos aprende a falar direito.